Capítulo 1 da 2ª Edição de O Guardião Imperial
Olá, pessoal.
Volto aqui, como prometi no post anterior, trazendo o capítulo um do livro de ficção fantástica O Guardião Imperial, primeiro volume da série Crônicas de Onyx. Bem, espero que curtam, e comentem!
Um
O Mensageiro
500
anos depois
Endrich Ragrson estava
a meio dia do portão de entrada do Povoado Imperial Crystan – uma grande vila
de camponeses em volta do grandioso castelo do Império de Diamante. O Mensageiro
Imperial estava voltando do Reino de Ágata – um dos vários reinos ao norte daquele
domínio.
Caminhava tranquilamente, enquanto
seu cabelo loiro-acastanhado esvoaçava ao vento brando. Era início de outono, o
sol ainda demorava um pouco a se pôr. Seus olhos verde-acinzentados ainda
brilhavam a luz da grande Estrela de Fogo. Endrich era um rapaz simples, sem
muita coisa na vida – aos dezessete anos já havia perdido
a mãe e o pai.
Sua mãe havia morrido quando ele nasceu,
por isso, não sabia muito a seu respeito. E seu pai, Ondrich, havia sido assassinado
há quatro anos, quando era um Mensageiro Imperial. Estava voltando para o
castelo, assim como Endrich agora, mas no meio do caminho fora abordado por
contrabandistas que queriam de qualquer forma levar a bolsa que carregava nas
costas. Nesta havia um grande pedaço de aço-escarlate – material leve e valioso
usado na fabricação de armas e escudos, principalmente nas lâminas de flechas.
Porém, Ondrich lutou para não entregá-la, e, por fim, desnecessariamente foi
esfaqueado até a morte. Levaram a bolsa contendo o metal. Não se sabe o que
aconteceu com a encomenda.
Nos últimos quatro anos, Endrich se
dedicou muito às práticas do arco e flecha. Quando começou, tinha a ideia de
fazer aquilo não porque gostava, mas sim para tentar esquecer a tragédia que
acontecera a seu pai. Algo que se acomodara com o tempo – mesmo assim alguns
sonhos com ele ainda lhe atormentavam as noites. Contudo, o tempo passou e ele se
tornou um ótimo aluno e interessado cada vez mais pela atividade. Era um dos
melhores arqueiros de todo o império.
Além dele, havia somente mais um
especialista em arco e flecha no Povoado Crystan e em todo o Império de
Diamante: Helder Stuarck, seu professor.
Enquanto seguia tranquilamente, Endrich
percebera que a prática havia se tornado sua vida. Toda vez que ele tivesse de
fazer alguma viagem para o Imperador Asriel Crystan, fazia questão de levar seu
arco e flechas, para o caso de algum ataque. Principalmente pelo o que haviam
acontecido a seu pai. A proteção é o
melhor ataque – ponderava.
Suspirou, secando o suor da testa.
Apesar de não fazer calor, a caminhada intensa o fazia transpirar. Sinto-me um porco no abate.
Desde a morte de seu pai, Endrich
fora morar com o senhor e senhora MacAran, pais de Luany, sua melhor amiga – ajudando periodicamente a colocar comida na mesa.
Ele e Luany haviam sido criados juntos desde muito novos; ficar longe dela por
mais pouco que fosse o deixava inquieto. Quando pequenos, iam para as colinas
além do castelo, e lá ficavam brincando com outras crianças e comendo muito
larên – uma fruta típica do verão. Uma de suas melhores memórias era a deles
sentados na colina fitando o tapete verde que se estendia a sua frente, onde
flores e árvores cresciam deliberadamente.
Seu estômago roncou com as lembranças
de casa. Percebeu que agora estava mais próximo do portão de entrada. Todavia,
surpreendeu-se ao ter que fazer uma pausa forçada.
Subitamente um homem surgiu a sua
frente, pulando de algum esconderijo entre as árvores da Floresta Xamã. O caminho
por onde seguia era uma estrada que passava por meio da floresta fechada, sendo
um ótimo ponto para os contrabandistas atacarem.
Endrich se assustou quando o homem
apareceu do nada, mas não mostrou nenhum tipo de reação a isso. Deve ser mais um daqueles ladrões descarados
– pensou ele, bufando. Endrich não parava de fitar o homem. Provavelmente
queria roubar-lhe a bolsa que carregava na lateral direita do corpo.
–– Tudo bem? – disse Endrich
tentando ser amistoso, o que não era fácil ante a possibilidade de ser roubado.
Percebeu que uma de suas pernas tremia.
O homem pareceu hesitar.
– Opa! Estou sim – respondeu finalmente.
Olhando sério para Endrich, o homem falou: – Oh, garoto, agora chega de enrolação
e me passa a bolsa, o arco e a aljava que está presa a sua cintura. Agora!
Endrich sentiu um calafrio percorrer
sua espinha. Ele se lembrou da história de seu pai, mas não hesitou.
– Passar o quê? – perguntou ele. De
repente, ele ouviu um barulho quase imperceptível na mata, devia ter mais
alguém com o homem. – Eu não lhe entregarei nada!
– Ah, mas vai. – O homem deu um
passo à frente, indicando que atacaria a qualquer momento. Ele tinha a altura do
Mensageiro e cabelos longos e emaranhados, parecendo mais um ninho de ratos.
– Se eu fosse você – avisou Endrich –,
eu não faria isso.
Subitamente, o homem sacou uma adaga,
antes presa no cinto da calça. O cabo de madeira era entalhado com o desenho de
uma sereia – o símbolo dos contrabandistas. A arma foi sacada com a mão esquerda.
Ótimo, ele é canhoto. Vai me dar uma boa
posição – pensou Endrich.
Rapidamente, o homem o ataca
tentando passar a adaga em seu pescoço – e como a arma possuía dois gumes,
tornava-se mais fácil disso acontecer. Mas Endrich era rápido, por isso
conseguiu desviar de todos os ataques, antes de se mover, rapidamente, para a
direita do contrabandista. Estando atrás dele, o Mensageiro puxou seu braço
esquerdo para trás, e num movimento rápido, derrubou o homem ao mesmo tempo em
que o desarmava. E, jogando todo o seu peso em cima do contrabandista, manteve-o
com o rosto no chão, enquanto gritava de dor e pedia por piedade – ou chamava
por ajuda.
Endrich estava certo ao pensar que
havia mais alguém na mata, pois, veloz como um gato, um homem surge da Floresta
Xamã – tão feio quanto o primeiro: cabelos longos e esgadelhados, maltrapilho e
de barba por fazer. Quando esse se aproximou correndo, também empunhando uma
adaga, Endrich saltou de cima do bandido que prendia e, com um chute, fez o que
estava prestes a lhe atacar ser lançado contra uma árvore, com força suficiente
para derrubar um cavalo.
Seus olhos se arregalaram ao
perceber a força que empunhara.
O primeiro contrabandista tentou se
levantar, mas foi impedido a tempo por Endrich, que o empurrou de volta para o
chão com o pé em suas costas. Ele não gostava de agir de tal maneira, mas só de
imaginar que um homem como aquele fizera uma atrocidade com seu pai no passado,
a raiva já subia para sua cabeça. Estava incrivelmente surpreso com si mesmo.
Endrich se certificou de que o
segundo contrabandista ainda estava caído perto da árvore e, abaixando a cabeça
perto do rosto do primeiro homem, falou em alto e bom som:
– Nunca mais, nunca mais, tente me atacar. Está me ouvindo?
– Sim… – murmurou o homem.
– Caso contrário, não serei tão bom
quanto hoje.
O contrabandista o olhou esbugalhado.
Estava visivelmente apavorado. Não tanto pela ameaça, pois já que é um homem de
contrabando, vive sendo ameaçado. Mas sim, imaginava Endrich, pela incrível força
que ele demonstrara.
Endrich retirou o pé de cima do
homem, tendo o cuidado para que não contra-atacasse. Deu mais uma olhada no
segundo homem, a quem abatera tão rapidamente, e voltou o olhar para o
primeiro:
– Cuide de seu amigo. Ele irá
precisar – falou, enquanto ajeitava sua capa verde-escura.
O homem assentiu em silêncio.
Endrich endireitou a aljava que
vinha presa à cintura, pendendo para o lado esquerdo. Fitou os homens mais uma
vez. O criminoso que o atacara primeiramente se arrastava até o segundo. Sabia
que precisava fazer alguma coisa para detê-los. Talvez uma flecha em seus
peitos resolvesse. Entretanto sabia que isso não seria suficiente, os seus
pecados não se apagariam da história. Precisava deixa-los a mercê do próprio
destino.
Com esse pensamento súbito,
chacoalhou a cabeça e retomou seu caminho para o castelo imperial.
––––
Antes mesmo do
anoitecer, Endrich chegou ao portão de entrada do lado oeste. Ele foi recebido pelas
sentinelas que guardavam e cuidavam da movimentação de pessoas no alto da Grande
Muralha – uma construção em pedra que cercava todo o Povoado Imperial
juntamente do castelo. Endrich fez um rápido cumprimento e entrou assim que os
portões foram abertos.
O povoado estava movimentado para um
fim de tarde. Mas isso se devia ao fato de ser a época de colher as melhores
frutas e de estar acontecendo o Festival do Outono, onde danças e peças
teatrais seguiam um cronograma de apresentações na arena da capital. Por isso o
comércio e os bares ficavam lotados até tarde da noite.
Enquanto seguia pela rua principal
de acesso ao castelo, foi cumprimentado por inúmeras pessoas. Era bem conhecido
no povoado, afinal, todos conheciam o grande arqueiro Endrich. Mas quando achou
que poderia terminar o percurso em paz, sem que mais ninguém lhe dirigisse a palavra,
foi surpreendido por sua amiga.
– Luany? Você me assustou! O que
está fazendo a essa hora na rua?
– Desculpe-me. Fui comprar algumas
frutas para mamãe – sorri abertamente, fazendo-o acompanhá-la. – Então como fora
a viagem? – indagou. – Muitos problemas?
Luany tinha cabelos loiro-escuros,
tão sedosos que brilhavam divinamente a luz das luas Cahim e Nahim; seus verdes
olhos cintilavam ao sol.
– Foi tranquila. Exceto por alguns
contrabandistas que encontrei. Só dois, que me atacaram pouco antes de eu
chegar – respondeu Endrich, dando de ombros.
– Mas você está bem?
– Estou, estou. Não foi nada, só
queriam meu arco, a aljava e minha bolsa. Eles deviam saber que eu possuo algo
de valor, de alguma forma.
– E tem algo tão valioso assim? – inquiriu
ela.
– Deixe de ser curiosa, Luany – riu.
– Ai – resmungou a garota. – Está
bem. Se estiver tudo bem, ótimo.
Endrich gostava da companhia de Luany,
fazia-lhe bem. Mas tinha que seguir seu caminho até o castelo imperial. Ainda
devia entregar o comunicado que carregava antes de a lua Cahim atingir seu
esplendor esverdeado.
– Bem, tenho que ir – disse Endrich,
por hora. – Meu trabalho ainda não findou.
– Ah… Tudo bem. Então até logo! –
respondeu Luany, afastando-se, um meio sorriso moldando seus lábios.
– Até logo.
Despedindo-se, Endrich seguiu por
entre o comércio movimentado. Todavia, antes de prosseguir até ao castelo, resolveu
passar na tenda do Sr. Krísllan, onde comprou um larên, sua favorita.
– Muitas cartas para entregar? –
perguntou Natan Krísllan, filho do dono da tenda, entregando-lhe a fruta.
– Ah, só o de sempre. – Endrich
entregou uma moeda de prata a Natan. E, fazendo um cumprimento rápido de despedida,
Endrich pegou seu larên – avermelhado, com sementes grandes e brancas – e saiu.
Depois de uma breve caminhada, chega
à ponte que atravessa o rio Coronal – uma corrente de água que seguia desde o
norte e desaguava no mar, ao sul. Atravessando-a, chega à entrada do castelo. O
palácio era uma imensa construção de pedra sobre um terreno plano, protegido
principalmente pela muralha as suas costas. Alguns detalhes da construção eram
cravejados por diamantes, dando-lhe um ar de beleza rústica.
Quando o imenso portal se abriu,
revelou-se um rapaz, que não devia ser mais velho que Endrich. Nestor, um dos
filhos do Sr. Krísllan o aguardava. Ele havia se tornado secretário do imperador
Crystan com ajuda de Endrich, que o convencera a aceitá-lo. Nestor não era
muito alto, e seus cabelos negros e escorridos lhe davam um ar jovial.
O secretário recepcionou Endrich,
apertando-lhe a mão e dando tapinhas em suas costas. Perguntou-lhe como fora a
viagem de ida e volta do Reino de Ágata, enquanto o encaminhava até a Sala do
Imperador, onde Asriel Crystan passava a maior parte do tempo lendo e assinando
acordos – um trabalho que o esgotava mais que caçar na Floresta Xamã, como
costumava fazer vez ou outra.
– Ah, foi… interessante – respondeu
Endrich a Nestor, lembrando-se dos pensamentos que o acometeram após enfrentar
os bandidos. Contou rapidamente como fora a volta, sua luta.
Passando por um imenso corredor, ele
e o secretário saíram em uma área aberta, o Pátio Interno, iluminada pela lua e
por tochas que lançavam uma luz bruxuleante. Seguindo mais a frente, eles
entraram em outro corredor do castelo, e, subindo uma escadaria, chegaram a
Sala do Imperador, no terceiro andar da torre nordeste. A sala era bem
organizada e possuía um cheiro agradável de flores e madeira – culpa de sua
filha. A mesa principal ficava nos fundos da sala, com uma enorme janela atrás
por onde entraria luz solar se fosse mais cedo. No canto direito, em relação à
mesa, havia uma estante de madeira lustrosa entalhada com motivos religiosos,
onde se podia identificar um anjo e o que seria raios de luz surgindo de trás
da entidade.
– Endrich! Fique à vontade – convidou
Crystan. Ele estava sentado em um pequeno trono com estofado avermelhado, de
madeira lustrosa com traços e desenhos em fios de ouro. – Nestor, obrigado. Por
favor, deixe-nos a sós.
– Com licença, majestade. – Fazendo
uma mesura, dirigiu-se para a porta e a fechou ao sair.
– Sente-se, Endrich. – O Imperador indicou
uma cadeira também estofada em vermelho.
O Mensageiro deixou-se cair
lentamente no estofado. Suspirou silenciosamente ao poder dar um descanso às pernas.
– Conseguis-te falar com o Rei
Jacob? – indagou Crystan.
– Sim, senhor. Ele lhe mandou
felicidades – respondeu Endrich.
– Obrigado. Mas então, o que ele resolveu?
– O Rei leu e releu a carta, e
aceitou o pedido.
– Oh, que bom! – o Imperador parecia
contente e ao mesmo tempo misterioso com a notícia. – E quando ele virá?
– Ele falou que ao amanhecer de
amanhã, sairá de Ágata para cá. Ah, disse também que, se for necessário, ele e
seus guardas passarão a noite aqui.
Asriel fez uma careta engraçada, mas
Endrich segurou a vontade de rir.
– Tudo bem. Temos quartos sobrando –
comentou o Imperador, recostando-se em seu trono.
– Senhor, desculpe-me a intromissão,
mas essa visita me parecerá muito importante, não? – indagou Endrich.
Asriel se ajeitou em sua cadeira.
– Não é bonito fazer esse tipo de
pergunta – disse ele, deixando o Mensageiro um pouco encabulado. – Mas irei lhe
dizer do que se trata.
O imperador Asriel Crystan informou Endrich
de que o Rei estaria vindo para tratar de negócios e política. O trato era Jacob
dar uma grande quantidade de aço-escarlate e aço-minério[1],
em troca de um pequeno pacote de diamantes e alguns animais da cavalaria especial.
– Bem, é isso – disse Asriel, ao
terminar de contar a Endrich. Este, entretanto, achava que tinha algo mais
nesse encontro. Resolveu não indagar sobre. – Hoje não irei mais precisar de
seus serviços. Pode se retirar – sorriu. – Obrigado.
Endrich fez uma leve mesura e saiu
da sala silenciosamente. Voltaria para casa onde tentaria descansar. Mas no fim,
sua noite não foi calma como gostaria que fosse.
[1] Metal pouco
precioso, mas de grande durabilidade e resistência, como o aço-escarlate. É
encontrado principalmente nas zonas oeste e central. Com sua coloração escura,
é principalmente usado para modelar armas e panelas.
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