PELA PRIMEIRA VEZ…
Ele parou o
movimento rítmico de escrever e olhou para o Além Inspiratório. Se é que havia
um. Não questionaria isso, afinal, muitas vezes encontrara o que escrever
apenas olhando para o nada.
Enfim. Sobre o que
estava escrevendo? Sobre a vida. Ou uma das várias vertentes que a formavam. Às
vezes era estranho, porque sabia que sua vida não era das melhores, entretanto,
gostava de certas coisas que aconteciam em seu cotidiano. Mas não estava a fim
de pensar sobre isso agora. Precisava concluir seu texto, que dizia sobre o
tempo, sobre escolhas…
Já parou para pensar que muitas e muitas vezes dizemos
que não temos tempo para determinadas coisas ou pessoas? Isso, porém, nem
sempre é verdade. Então por que mentir? Veja, há tantas pessoas que encontram
formas e meios de fazerem aquilo que querem em seu conturbados cotidianos, mas
por que não nós?
Seria medo? Medo de não conseguirmos nos readaptar a
realidade opressora do dia a dia? Medo de, caso a situação seja divina, não
queremos mais sair daquele mundo paralelo ao nosso? Um mundo, talvez, de faz de
contas? Seria medo de gostar da sensação mínima de liberdade a qual poderemos
ser expostos? Ou o simples medo de talvez odiarmos aquilo que nos é proposto?
Ele releu. E
releu. Sabia que, ao escrever aquilo, estava sendo hipócrita. Afinal, não se
permitia ultrapassar as barreiras que construiu em volta do que podia ser
chamada de vida. Ou seria subvida? Ele fazia isso por medo ou simplesmente por
achar o mundo a sua volta um saco? Não sabia, mas talvez fosse a resposta
certa. Ele não era um jovem normal, não fazia coisas normais que gente de sua
idade fazia. Não curtia sair, badalar, festejar. Quando ia, era pelo simples
fato de poder se embriagar e esquecer dos problemas que o envolviam. Mesmo que
por ilusórias horas.
Definitivamente,
ele criara uma redoma difícil de se quebrar. Estava tão enfiado dentro dela que
tinha medo de sair dela, com quem quer que fosse, para desbravar o
desconhecido, aproveitar o lado bom da vida que mal conhecia. Mas não
importava. Não naquele momento. Se algum dia houve sentindo em suas escolhas,
então ele ficaria bem. Senão, também não importava.
Suspirou,
erguendo-se da poltrona e pegou seu suéter num gancho fixo à parede. Vestiu e
saiu. O ar gélido da manhã tocou seu rosto. Ele odiava o frio, contudo, pela
primeira vez não se incomodou em enfrentá-lo. O que faria? Talvez fosse até um
bar, encheria a cara e se jogasse na frente de um caminhão. Não sabia. Não
queria saber.
Pela primeira vez, deixaria a vida lhe surpreender. Respirou com força e
deu um passo após o outro. Pela primeira vez, permitiu que o tempo lhe desse
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