Quem sou eu na fila do pão?
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Eu sou você. Pode
parecer estranho, mas aceite o fato.
Costumam nos dizer
essa frase (ali do título) quando dizemos algo que nos engrandece, algo que nos
torna melhor do que realmente somos, não é mesmo? Mas, vem cá, quem realmente
somos na fila do pão? Somos aquele carinha que fica simplesmente olhando as
vitrines desejando se deliciar nos doces e guloseimas que chamam tanto nossa
atenção? Ou somos aquela menininha que está puxando a saia da mãe e pedindo
bolo de chocolate? Ah, será que somos a senhorinha no caixa contanto as moedas
para pagar seus dois pãezinhos?
Independentemente
de quem sejamos, estamos aqui, não é mesmo, pensando no que se foi, no que
veio, no que não teremos, nos sonhos perdidos — alguns esquecidos —, nas
vontades e desejos que consumamos ou que deixamos de consumar. Somos aqueles
serezinhos sem escrúpulos, certo? Certo! Mas também somos aqueles ali — ali,
sentadinhos na mesa, esperando a mãe e o pai voltarem com um pedaço de torta de
limão que acabaram de pedir no balcão —, inocentes.
Olhamos em volta,
analisando o lugar, buscando alguma rachadura, uma tintura descascada, uma
parede mofada. Ah, sim, é exatamente aquela garota ali atrás, mascando
chicletes, atenta a tudo. Eu sou ela e você também. Nós somos ela, da mesma
forma que somos o acadêmico de arquitetura que chegou e está no final da fila.
Ele tem uma bela história, inclusive. Vive com os pais, faz estágio em uma
grande empreiteira, namora um moço bonito e estudante de cinema — e os pais
mais que aprovam, até conhecem a família do tal moço. Ambos se relacionam bem e
hoje é aniversário do namorado do futuro arquiteto, e o que este faz aqui num
momento deste? Bem, veio buscar o bolo que encomendou para uma surpresa muito
fofa.
E enquanto estamos
aqui, sendo todos eles, a senhora conseguiu terminar de contar as moedas e já
está dando seus lentos passos para fora, rumo a sua casinha de madeira no fim
da rua. É humilde, verdade, mas ela ama de paixão, principalmente quando seus
netos lhe visitam e trazem uma alegria que só conhece em momentos como esse.
A garotinha, que
puxava a saia da mãe, finalmente ganha seu tão desejado bolo. E nós amamos, não
é mesmo? Estamos loucos para chegar em casa e nos deliciarmos. Ah, e tem o
carinha que desejava as guloseimas, mas que, sem dinheiro suficiente, leva
apenas três pães francês que serão sua janta hoje. Pobre rapaz, está passando
por uma fase difícil, desempregado, sem os pais por perto e ainda por cima
precisa pagar o aluguel na próxima semana. Nós não queremos nos prostituir, mas
a ideia não nos escapa da mente. É uma ideia plausível, e lugar nós já temos.
Os dois inocentes,
os meninos que esperavam os pais, ah, eles estão felizes, afinal, a tal
esperada torta de limão chegou! O sabor é maravilhoso, claro, e podemos
senti-lo explodir em nossas línguas, ao mesmo tempo em que estamos aqui,
estacados, olhando para o teto, para as prateleiras e para as atendentes,
algumas carrancudas, cansadas, outras sorridentes e atenciosas — talvez seja
hábito, quem sabe apenas uma máscara que cairá quando chegarem em casa. A vida
é uma máscara… não, espere, a vida é um teatro, e nós é que usamos máscaras
cotidianamente, certo? Certo. E isso é bom ou ruim? Deveria haver dúvidas
nisso?
Eu sou você e você sou eu e, na fila do pão, somos qualquer um, cheios de
dúvidas, escolhas, pensamentos conflitantes ou não. Somos os alegres e os
tristes, somos aqueles que buscam algum tipo de redenção ou que simplesmente
não têm pelo que se salvar. Somos eu e você, você e eu. E na fila do pão, somos
todos que possuem uma história a contar.Tags:
Crônica
2 comentários
Lindo! Encontrar inspiração no dia a dia.
ResponderExcluirObrigado, Ben! ^^
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