Quem sou eu na fila do pão?

Foto: Feriasnow.com.br

Eu sou você. Pode parecer estranho, mas aceite o fato.
Costumam nos dizer essa frase (ali do título) quando dizemos algo que nos engrandece, algo que nos torna melhor do que realmente somos, não é mesmo? Mas, vem cá, quem realmente somos na fila do pão? Somos aquele carinha que fica simplesmente olhando as vitrines desejando se deliciar nos doces e guloseimas que chamam tanto nossa atenção? Ou somos aquela menininha que está puxando a saia da mãe e pedindo bolo de chocolate? Ah, será que somos a senhorinha no caixa contanto as moedas para pagar seus dois pãezinhos?
Independentemente de quem sejamos, estamos aqui, não é mesmo, pensando no que se foi, no que veio, no que não teremos, nos sonhos perdidos — alguns esquecidos —, nas vontades e desejos que consumamos ou que deixamos de consumar. Somos aqueles serezinhos sem escrúpulos, certo? Certo! Mas também somos aqueles ali — ali, sentadinhos na mesa, esperando a mãe e o pai voltarem com um pedaço de torta de limão que acabaram de pedir no balcão —, inocentes.
Olhamos em volta, analisando o lugar, buscando alguma rachadura, uma tintura descascada, uma parede mofada. Ah, sim, é exatamente aquela garota ali atrás, mascando chicletes, atenta a tudo. Eu sou ela e você também. Nós somos ela, da mesma forma que somos o acadêmico de arquitetura que chegou e está no final da fila. Ele tem uma bela história, inclusive. Vive com os pais, faz estágio em uma grande empreiteira, namora um moço bonito e estudante de cinema — e os pais mais que aprovam, até conhecem a família do tal moço. Ambos se relacionam bem e hoje é aniversário do namorado do futuro arquiteto, e o que este faz aqui num momento deste? Bem, veio buscar o bolo que encomendou para uma surpresa muito fofa.
E enquanto estamos aqui, sendo todos eles, a senhora conseguiu terminar de contar as moedas e já está dando seus lentos passos para fora, rumo a sua casinha de madeira no fim da rua. É humilde, verdade, mas ela ama de paixão, principalmente quando seus netos lhe visitam e trazem uma alegria que só conhece em momentos como esse.
A garotinha, que puxava a saia da mãe, finalmente ganha seu tão desejado bolo. E nós amamos, não é mesmo? Estamos loucos para chegar em casa e nos deliciarmos. Ah, e tem o carinha que desejava as guloseimas, mas que, sem dinheiro suficiente, leva apenas três pães francês que serão sua janta hoje. Pobre rapaz, está passando por uma fase difícil, desempregado, sem os pais por perto e ainda por cima precisa pagar o aluguel na próxima semana. Nós não queremos nos prostituir, mas a ideia não nos escapa da mente. É uma ideia plausível, e lugar nós já temos.
Os dois inocentes, os meninos que esperavam os pais, ah, eles estão felizes, afinal, a tal esperada torta de limão chegou! O sabor é maravilhoso, claro, e podemos senti-lo explodir em nossas línguas, ao mesmo tempo em que estamos aqui, estacados, olhando para o teto, para as prateleiras e para as atendentes, algumas carrancudas, cansadas, outras sorridentes e atenciosas — talvez seja hábito, quem sabe apenas uma máscara que cairá quando chegarem em casa. A vida é uma máscara… não, espere, a vida é um teatro, e nós é que usamos máscaras cotidianamente, certo? Certo. E isso é bom ou ruim? Deveria haver dúvidas nisso?
Eu sou você e você sou eu e, na fila do pão, somos qualquer um, cheios de dúvidas, escolhas, pensamentos conflitantes ou não. Somos os alegres e os tristes, somos aqueles que buscam algum tipo de redenção ou que simplesmente não têm pelo que se salvar. Somos eu e você, você e eu. E na fila do pão, somos todos que possuem uma história a contar.

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