QUEM CRIA A ROTINA?
Ele
olhou para o teto, cansado da rotina, cansado de viver cada dia o mesmo dia que
o anterior. Estava cansado de ter que levantar todas as manhãs antes mesmo de o
sol dizer seu costumeiro “bom-dia!”; cansado de enfrentar uma hora de ônibus
com pessoas desconhecidas, que não passavam de simples corpos que se balançavam
de um lado para outro na tentativa de não caírem uns sobre os outros ao remexer
do veículo.
Coçou
os olhos, percebendo que estava cansado até de ser aquilo que sempre foi tão
bom: invisível. O modo imperceptível estava ligado há tanto tempo, mas isso,
bem, já estava chato. Ele conseguira, tirara nota dez em transformar suas
escolhas em burradas e seu mundo, antes colorido, em escala de cinza.
Fechou
os olhos e encontrou os rostos conhecidos que o cercavam todo (santo?) dia. Por
um lado, dava graças, seja lá o que existisse de “força superior” no Universo,
por passar despercebido por um bando de gente que não adicionaria nada a sua
triste e melancólica existência. Por outro lado, ele ainda era um humano, um
ser cheio de sonhos que sequer sabia se um dia algum deles se realizaria, mas
não se importava mais com o amanhã. Ele, no fim de contas, queria sim ser
visto, ser admirado, ser reconhecido.
E
isso, de certa forma, doía em seu íntimo. Por quê? Sabe que sequer ele sabia?
E
lá estava novamente, olhos fechados, punhos cerrados, o pensamento cheio de
lembranças voando em todas as direções. De casa para a aula; da aula para o
trabalho; do trabalho para casa… e sucessivamente, ininterrupto. Sua rotina,
percebeu, matava lentamente aquilo que ele chamou de desejo, de sonhos, de algo
que almejava. A rotina, talvez, fosse o verdadeiro vilão da história. E quem
cria a rotina?
Ele
se ergueu após abrir os olhos e fitar a parede branca. Sorriu, sem saber por
quê. Sorriu, quem sabe, por estar prestes a fazer algo que, finalmente, daria
um fim a sua tristeza. Subiu as escadas até o terraço do prédio e fitou o céu
pintado de azul, rosa e laranja do fim daquela tarde de domingo sem graça.
Inspirou com força, vários aromas lhe visitarem. O cheiro de feijão cozinhando
era o indício de que a vizinha do apartamento 21 estava preparando a comida da
semana. Imediatamente sua boca salivou. Percebeu que estava com fome — mas
quando não estava? Outro cheiro que adentrou suas narinas foi o de flores. Não
sabia quais eram. A única coisa que tinha certeza era que a dona do 33 amava
seus aromas e ostentava uma coleção das mais diversas variedades de plantas;
tanto medicinais quanto decorativas — como as tais flores que sentiu o cheiro.
Expirou
com força, sorrindo novamente. A brisa tocou seu rosto, assim que ele atingiu a
amurada de segurança. Subiu ali, abriu os braços e cerrou as pálpebras. Não
precisou dar um passo, seu corpo cedeu naturalmente àquele momento tão propício.
Sua vida não passou em um flash, como
era de se esperar. Enquanto seu cabelo era bagunçado pelo vento, imaginava que
estava voando e chorava pela emoção de ter quebrado os próprios paradigmas.
Girou no ar a tempo de ver a lua e o sol disputarem lugar no céu, enquanto
ambos se despediam dele. A primeira parecia-lhe sorrir; o astro-rei abençoava-o
com os últimos raios que incidiam sobre sua pele. E ele sorriu, mais uma vez.
Seria a última.
A
partir daquele momento, estava livre de si mesmo.
Abriu
os olhos de súbito, mas não assustado. A sensação de liberdade ainda se
assomava sobre ele, dando-lhe uma inspiração que há muito não sentia. Sentou-se
na beira da cama, olhou o relógio. 05h43. Já estava quase na hora de se
levantar para ir estudar, mas não seguiria o cronograma do dia. Não naquele
dia. O sonho lhe trouxera uma revelação: precisava encontrar um novo caminho
que não o levasse à morte, um caminho em que pudesse conciliar tudo que deve e gosta de fazer. Se as pessoas a sua
volta não eram as melhores, então mudaria suas amizades. Se a vida tava
repetitiva demais, então adicionaria um a fazer diferente de tudo que já
fizera. Ele não podia se permitir a desistir daquela forma, não agora, não tão
jovem.
Ergueu-se
da cama, inspirou com força e sorriu. Não criaria nem alimentaria mais aquilo
que o matava dia após dia. Decidiu que a partir daquele momento, mataria a tão
suprema e vilã rotina.
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Crônica
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